Lei Anticorrupção: STJ Reforça Alcance da Responsabilidade Solidária em Conglomerados Empresariais
A possibilidade de responsabilização solidária de empresas controladoras, controladas, coligadas1 e consorciadas pela prática de atos ilícitos previstos na Lei nº 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), independentemente da ocorrência de alterações societárias, foi reforçada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão unânime proferida no âmbito do Recurso Especial (REsp) nº 2209077/RS.
A controvérsia teve origem em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (“MPF”) em face de uma concessionária de serviço público e suas empresas controladoras e coligadas, por supostos atos de corrupção investigados no contexto da “Operação Integração” e relacionados a contrato de concessão celebrado com a União, o Ministério dos Transportes, o Governo do Paraná, o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (“DNER”) e o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (“DER-PR”).
A decisão reflete um tema de grande relevância para empresas que integram grupos econômicos, uma vez que o entendimento do STJ reforça os efeitos da responsabilização objetiva da Lei Anticorrupção e impõe um sinal de alerta com relação à exposição de conglomerados empresariais a riscos jurídicos e financeiros relevantes, ainda que apenas uma das empresas esteja envolvida diretamente nos atos ilícitos investigados.
1. Contexto da ação e principais pontos discutidos
Na ação, o MPF contesta a legalidade de aditivos contratuais celebrados no âmbito da concessão, os quais teriam promovido desequilíbrio econômico-financeiro em favor da concessionária, em contrapartida a supostas vantagens indevidas oferecidas a agentes públicos. Dentre os pedidos formulados pelo MPF, destacam-se a anulação dos aditivos contratuais, a declaração de caducidade da concessão e a condenação da concessionária, de suas controladoras e coligadas ao pagamento de indenizações.
O REsp foi interposto por uma das empresas coligadas incluídas no polo passivo da ação, a qual alegou (i) inexistência de indícios de sua participação ou benefício nos atos investigados; e (ii) que a responsabilidade solidária prevista no §2º do art. 4º da Lei Anticorrupção2 e almejada pelo MPF estaria condicionada às hipóteses de “alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária”, previstas no caput do mesmo artigo3.
2. Entendimento do STJ
O Relator do caso, Ministro Paulo Sérgio Domingues, rejeitou os argumentos apresentados e negou provimento ao REsp. Em seu voto, ele destacou que:
- A responsabilidade solidária prevista no §2º do art. 4º da Lei Anticorrupção tem caráter expresso e abrangente, visando alcançar o maior número possível de situações envolvendo a criação, transformação, agrupamento ou dissolução de empresas – evitando, assim, “lacunas legislativas” que dificultem a responsabilização objetiva sob a ótica da Lei Anticorrupção; e
- O caput do art. 4º não impõe uma condição para a responsabilização solidária. Ao contrário, estabelece que a responsabilidade subsistirá mesmo diante de alterações contratuais ou societárias, o que significa que sua aplicação independe da ocorrência de transformações em grupos econômicos. Basta que os atos ilícitos tenham sido praticados durante a vigência da Lei Anticorrupção.
3. Implicações práticas
A decisão do STJ reforça um alerta importante: empresas que integram grupos econômicos – especialmente aquelas com estruturas societárias complexas – podem ser responsabilizadas objetivamente por atos de corrupção praticados por outras empresas do grupo, ainda que não tenham participação direta nos ilícitos.
Nesse contexto, torna-se indispensável a adoção de mecanismos de prevenção e controle que assegurem a integridade das operações em toda a estrutura dos conglomerados empresariais. A construção de um programa de compliance efetivo, que inclua a gestão de riscos nas relações societárias, pode ser decisiva para evitar passivos multimilionários e preservar a reputação das empresas no mercado. Entre as medidas recomendadas, destacam-se:
- Condução de due diligence de integridade em processos de reestruturação societária e formação de parcerias no âmbito de contratos com entes públicos, com foco na identificação de riscos legais, financeiros e reputacionais;
- Implementação ou aprimoramento de programas de compliance, com foco na prevenção e remediação de atos ilícitos no relacionamento com terceiros e nas relações entre empresas do grupo;
- Monitoramento contínuo de riscos e adoção de medidas mitigatórias em contratos com o setor público, especialmente nos casos em que há empresas controladas, controladoras, coligadas ou consorciadas envolvidas.
Essas medidas são essenciais para mitigar a exposição das pessoas jurídicas a passivos anticorrupção e preservar sua reputação em um ambiente regulatório cada vez mais rigoroso.
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1 Considera-se o conceito de “sociedade coligada” do art. 1099 do Código Civil, ou seja, aquela titular de 10% ou mais do capital de outra sociedade, sem controlá-la.
2 Art. 4° § 2º As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.
3 Art. 4º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.