Direito Tributário em Destaque | Tributação dos Créditos de Carbono após a Lei n.º 15.042/24 e a Lei Complementar n.º 214/25 (Regulamentação da Reforma Tributária dos Impostos sobre o Consumo)
Atualizações em evidência:
A Lei n.º 15.042/24 foi um marco para a regulação do mercado de carbono do Brasil: instituiu o mercado regulado denominado Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), reconheceu o “mercado voluntário” e trouxe regras tributárias para comercialização de créditos de carbono. Paralelamente, a Lei Complementar nº 214/25 regulamentou diversos aspectos da Reforma Tributária dos Impostos sobre o Consumo, prevendo o início da cobrança de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência de Estados e municípios, e de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, a partir de 2026.
Para explicar o tratamento tributário na venda de créditos de carbono e esclarecer alguns pontos importantes, preparamos o material anexo abordando o tratamento tributário após a produção de efeitos da Lei nº 15.042/24 (a partir de 2025) e da Lei Complementar nº 214/25 (a partir de 2026), especialmente explicando a controvérsia sobre a incidência de IBS e CBS sobre “créditos de carbono”.
Confira abaixo um resumo do conteúdo e, ao final, faça o download do material completo:
Introdução:
A principal inovação da Lei n.º 15.042/24 foi a criação de um típico sistema de cap-and-trade, denominado Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), para operadores responsáveis por fontes que emitam anualmente acima de 10.000 tCO2. O SBCE será implementado de forma faseada, sendo que atualmente estamos na Fase 01, dedicada à regulamentação.
Além de instituir um “mercado regulado” propriamente dito, a Lei n.º 15.042/24 também reconheceu o “mercado voluntário” como o ambiente caracterizado por transações de créditos de carbono (ativo transacionável, autônomo, representativo de efetiva retenção, redução de emissões ou remoção de 1 tCO2e) voluntariamente estabelecidas entre as partes, para fins de compensação voluntária de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).
O “mercado voluntário” de venda de créditos de carbono já é uma realidade. Existem diversos projetos em andamento no Brasil promovidos por entes privados e entes públicos, nas mais variadas técnicas (florestal, energia renovável, biocombustíveis etc.) e diversas controvérsias tributárias.
Cenário tributário:
Há um entendimento predominante de que a comercialização de créditos de carbono não é tributada pelo Imposto sobre Serviços (ISS) por não configurar prestação de serviços, nem mesmo pelo Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) por não configurar venda de mercadoria (seja corpórea ou incorpórea) e não é tributada pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) por não ensejar industrialização ou figura equiparada.
Assim, até 2024, a tributação de créditos de carbono restringia-se à incidência da a contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS), Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As principais controvérsias para tais tributos podem ser assim sintetizadas:
- Para o originador de Crédito de Carbono optante pelo Lucro Presumido e regime cumulativo de PIS/COFINS: qual seria o percentual de presunção de lucratividade a ser aplicado: (i) percentuais padrões de 8% para IRPJ e 12% para CSLL ou (ii) 32% para IRPJ e CSLL previstos para “cessão de direitos”.
- Para o originador de Crédito de Carbono optante pelo Lucro Real e regime não-cumulativo de PIS/COFINS: qual seria a alíquota de PIS/COFINS aplicável: (i) alíquota padrão de 9,25% ou (ii) alíquota de 4,65% prevista para “receitas financeiras”.
- Para o adquirente de Crédito de Carbono optante pelo Lucro Real e regime não-cumulativo de PIS/COFINS: se o dispêndio com o crédito de carbono geraria crédito de PIS/COFINS sobre insumos e seria uma despesa dedutível.
Repercussões e mudanças:
A Lei n.º 15.042/24, com efeitos a partir de janeiro de 2025, eliminou todas as controvérsias indicadas acima: (i) prevê a não-incidência de PIS/COFINS sobre receitas com venda de créditos de carbono (art. 19), (ii) assegura a dedutibilidade para fins de IRPJ e CSLL dos dispêndios com créditos de carbono (art. 18) e (iii) institui uma sistemática específica de tributação para fins de IRPJ e CSLL (iii.1) no lucro presumido, como “ganho de capital”, sem aplicação de nenhum percentual de presunção de lucratividade e (iii.2) no lucro real, no regime de “ganhos líquidos” para vendas em bolsa ou “ganho de capital” para vendas fora de bolsa.
Assim, a partir de janeiro de 2025, a venda de créditos de carbono não sofrerá a incidência de ICMS, ISS, IPI (por não ser fato gerador de tais impostos) e PIS/COFINS (por previsão expressa da Lei nº 15.042/24). Haverá apenas a incidência de IRPJ/CSLL conforme regra especial de tributação indicada acima.
Com a regulamentação da Reforma Tributária do Consumo pela Lei Complementar nº 214/25, os novos tributos (IBS e CBS) serão cobrados a partir de 2026 em “fase de teste”. A partir de 2027, haverá o início da cobrança de CBS e extinção do PIS/COFINS. A partir de 2029, será iniciada a cobrança do IBS, com redução escalonada do ICMS e ISS.
A principal controvérsia é sobre a incidência de IBS/CBS sobre “créditos de carbono”.
De um lado, pode-se argumentar que a cobrança é possível porque o artigo 156-A da Constituição Federal (incluído pela EC nº 132/23) admite a cobrança de IBS e CBS sobre “bens materiais ou imateriais, inclusive direitos” e a Lei Complementar nº 214/25 não trouxe nenhuma exceção à comercialização de crédito de carbono. Assim, diferentemente do que ocorre em relação ao ISS e ICMS, a natureza jurídica do crédito de carbono (ativo transacionável representativo da retenção, redução de emissões ou remoção de 1tCO2), não impede a exigência de IBS e CBS.
Por outro lado, é de se notar que o artigo 146 §3º da Constituição Federal (também incluído pela EC nº 132/23) prevê que o Sistema Tributário Nacional deve observar o princípio de defesa do meio ambiente. A cobrança do IBS/CBS -ao menos sem nenhum mecanismo de créditos presumidos ou cashback - aumentaria de forma expressiva a carga tributária para aquisições no mercado voluntário de créditos de carbono por não contribuintes de IBS e CBS (e.g., pessoas físicas) ou contribuintes não sujeitos ao regime regular do IBS e da CBS. Isso aparenta violar o comando constitucional de proteção ao meio ambiente.
O que podemos concluir?
A partir de janeiro de 2025, a venda de créditos de carbono não sofrerá a incidência de nenhum dos tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI e PIS/COFINS). Haverá apenas a incidência de imposto sobre a renda sobre o ganho de capital auferido com a originação/comercialização, observando-se as regras especiais previstas na Lei nº 15.042/24.
A partir de janeiro de 2027, será iniciada a efetiva cobrança do CBS, em substituição ao PIS/COFINS. Há controvérsia sobre a possiblidade de incidência sobre créditos de carbono porque a cobrança do CBS (e posteriormente do IBS) - ao menos sem nenhum mecanismo de créditos presumidos ou cashback - aumentaria de forma expressiva a carga tributária para aquisições no mercado voluntário de créditos de carbono por não contribuintes de IBS e CBS (e.g., pessoas físicas) ou contribuintes não sujeitos ao regime regular do IBS e da CBS.O aumento abrupto (de zero para aproximadamente 28%) da carga tributária de um ativo cuja comercialização objetiva justamente remunerar o agente que efetuou a retenção, redução ou remoção de CO2 aparenta violar o artigo 146 §3º da Constituição Federal, que dispõe que o Sistema Tributário Nacional deve observar o princípio de defesa do meio ambiente. Esse é um tema que precisa ser melhor discutido no âmbito do Congresso Nacional e do Comitê Gestor do IBS/CBS.