agosto 17 2023

Perspectivas para o saneamento básico após os novos Decretos Federais

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No mês de julho, foram publicados os Decretos n.º 11.598/2023 e n.º 11.599/2023, que regulamentam o setor de saneamento básico e revogam os Decretos n.º 11.466/2023 e n.º 11.467/2023, editados em abril deste ano.

Os novos diplomas são fruto de negociações entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional e tratam dos mesmos temas dos decretos anteriores, a saber: (i) metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário; e (ii) prestação regionalizada dos serviços públicos e a alocação de recursos da União, ambas novidades trazidas para o setor a partir da Lei n.º 14.026, de 15 de julho de 2020 (Novo Marco Legal do Saneamento Básico).

Os Decretos n.º 11.598/2023 e n.º 11.599/2023 reproduziram grande parte do texto dos decretos anteriores, mas promoveram alterações que, embora pontuais, permitiram a solução do impasse político em torno do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Remanescem, contudo, alguns pontos controvertidos, não enfrentados pela nova regulamentação.

Destacamos, abaixo, as principais mudanças e pontos mantidos pelos Decretos n.º 11.598/2023 e n.º 11.599/2023, bem como as perspectivas subjacentes para o setor de saneamento básico.

Retirada da possibilidade de regularizar prestação precária

O Decreto n.º 11.466/2023 permitia que as companhias estaduais de saneamento básico regularizassem, até 31 de dezembro de 2025, a prestação precária dos serviços (sem contrato ou formalizadas por meio de instrumento precário) para fins de comprovação de sua capacidade econômico-financeira, de modo a cumprir as metas previstas pelo Novo Marco Legal.

O dispositivo possibilitava que municípios sem instrumento contratual regular de prestação de serviços públicos de saneamento básico continuassem atendidos pelas companhias estaduais, tanto nos casos em que a vigência do contrato já tivesse expirado, como nos casos em que um contrato nunca tivesse sido celebrado.

Com a edição do Novo Marco Legal do Saneamento Básico e a vedação à celebração de novos contratos de programa para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, a operação pelas companhias estaduais nesses municípios passou a ser irregular. O Decreto n.º 11.466/2023, então, abriu espaço para a regularização da prestação, permitindo que as companhias estaduais permanecessem na prestação dos serviços.

No entanto, o novo Decreto n.º 11.598/2023 foi editado sem essa previsão, de modo a retomar a disciplina de que a prestação de serviços em situação irregular deve passar por período de transição para a prestação regular, o que exige, conforme o Novo Marco Legal, a prestação direta por órgão ou entidade municipal, a realização de licitação para a delegação dos serviços, ou a iniciativa de privatização da empresa estatal.

Ressalta-se que, além de atender ao Congresso Nacional, a medida repara insegurança jurídica criada pela redação anterior. Isso porque o Decreto n.º 11.466/2023 não deixava claro como se daria a regularização da situação precária, já que a celebração de novos contratos de programa continua vedada pelo art. 13, § 8º, da Lei n.º 11.107/2005, com redação dada pelo Novo Marco Legal.

Retirada da possibilidade de prestação regionalizada direta pela companhia estadual

O segundo ponto polêmico retirado do texto dos novos decretos é a possibilidade de prestação direta dos serviços de saneamento no âmbito da estrutura regional (notadamente Microrregião ou Unidade Regional de Saneamento Básico) pela companhia estadual.

A previsão no antigo Decreto n,º 11.467/2023 validava a possibilidade de prestação dos serviços de saneamento básico em todos os municípios de uma estrutura regional, pela companhia estadual, sem licitação e sem contrato, sob a construção argumentativa de que, em havendo titularidade compartilhada dos serviços de saneamento básico entre Estado e Municípios em uma estrutura regional, a companhia estadual integraria a administração pública do “titular”, podendo prestar os serviços diretamente. O entendimento foi testado pelo estado da Paraíba no ano passado, que, após questionamentos, voltou atrás.

Apesar da possibilidade ter deixado de existir na redação dos novos decretos, o tema ainda é objeto das ADPFs 1055 e 1057 em trâmite no Supremo Tribunal Federal, podendo suscitar discussões futuras.

Por fim, o Decreto n.º 11.599/2023 ainda permite a possibilidade de prestação regionalizada direta (sem licitação) por entidade municipal, exigindo, nesse caso, autorização em sua lei de criação e autorização da entidade de governança regional.

Exigência de previsão legal para a operação por prestadores diferentes na mesma estrutura regional

Um aspecto novo do Decreto n.º 11.599/2023 foi a alteração da redação do art. 6º, § 13º, do antigo Decreto n.º 11.467/2023. Agora, a prestação dos serviços de saneamento por operadores distintos dentro da mesma estrutura de prestação regionalizada depende de previsão na lei de criação da estrutura regional, além da autorização da entidade de governança.

A nova redação cria dificuldades principalmente para estados divididos em microrregiões em que, na mesma estrutura regional, há municípios atendidos por autarquias municipais, outros pela companhia estadual e ainda outros por concessionárias privadas.

O objetivo pode ter sido unificar a prestação dos serviços públicos de saneamento dentro da estrutura regional, mas, na prática, apenas dificulta que novos municípios (ou conjunto de municípios) dentro de uma mesma estrutura possam realizar licitação para a concessão dos serviços, especialmente considerando que as leis estaduais de regionalização já editadas não contemplam a previsão exigida pelo decreto.

Vale lembrar que o saneamento básico compreende os serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. A prestação dos diferentes serviços por operador único, ainda que em uma mesma estrutura de prestação regionalizada, é incomum. A rigor, o agrupamento de serviços no escopo de um só contrato deve ser justificável à luz dos ganhos de escala e escopo, bem como dos objetivos de ampliação da competição e de evitar a concentração de mercado, nos termos do art. 47, § 1º, da Lei n.º 14.133/2021.

Segunda leva de comprovação da capacidade econômico-financeira

Os novos decretos mantiveram um ponto polêmico dos decretos anteriores: a previsão de segundo processo de comprovação da capacidade econômico-financeira das companhias estaduais. Trata-se de uma segunda chance para aqueles prestadores que não entregaram a documentação exigida ou não conseguiram comprovar capacidade para cumprir as metas de universalização e qualidade dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em todos os seus contratos, no processo concluído em 2022.

Além disso, o atual processo apresenta maior grau de flexibilidade em relação ao primeiro, pois admite que empresas estatais que não atendam aos índices financeiros exigidos apresentem, alternativamente, plano de metas para atingimento dos referidos índices nos próximos 5 anos.

Ainda, como novidade no Decreto n.º 11.598/2023, o prestador poderá instruir o requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira, na segunda etapa da comprovação, com minutas de termos aditivos que pretende celebrar em seus contratos para conseguir cumprir as metas de universalização, desde que sejam apresentadas em conjunto com declaração de anuência do titular do serviço.

Por fim, no mesmo decreto, a comprovação da capacidade econômico-financeira deixou de ser requisito indispensável para a celebração de termos aditivos para incorporar as metas de universalização dos serviços – até mesmo porque o prazo para celebrar os aditivos, conforme o Novo Marco

Legal, era 31 de março de 2022. No entanto, a comprovação da capacidade econômico-financeira continua sendo condição para a regularidade dos contratos celebrados.

Novos prazos para comprovação de capacidade econômico-financeira presumida

O atual Decreto n.º 11.598/2023 manteve a possibilidade de comprovação de capacidade econômico-financeira presumida pelas empresas públicas ou sociedades de economia mista estaduais e distritais que prestem serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário por meio de contratos de programa. Foram mantidos os prazos fixados pelo Decreto n.º 11.466/2023 para a conclusão das etapas do processo de desestatização, nos seguintes termos:

  • Apresentação pelo controlador do requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira presumida, acompanhado de comprovação da contratação dos estudos e dos atos necessários à desestatização junto à instituição financeira, com mandato para venda em caso de viabilidade econômica da operação, até 31 de dezembro de 2023;
  • Autorização legislativa geral ou específica para a desestatização até 31 de março de 2024;
  • Conclusão da desestatização até 31 de dezembro de 2024.

O desatendimento de quaisquer das etapas acima ensejará a perda dos efeitos da presunção relativa e o reconhecimento da ausência de capacidade econômico-financeira da respectiva empresa pública ou da sociedade de economia mista. Por isso, a comprovação de capacidade econômico-financeira presumida não impede que as companhias estatais comprovem capacidade econômico-financeira pelo rito ordinário.

Para informações adicionais sobre as alterações promovidas na regulamentação do setor de saneamento básico, entre em contato com o nosso sócio de Infraestrutura e Direito Público, Bruno Werneck (bwerneck@mayerbrown.com).

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